Rio de janeiro, 02 de setembro de 2008
Excelentíssimo Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Senhor Luciano Coutinho
A/C Sr. Paulo Mattos
Chefe de Gabinete
Plataforma BNDES alerta para riscos dos projetos no rio Madeira e
demanda a suspensão do crédito até que as dúvidas sejam sejam sanadas
O BNDES tem uma participação preponderante no financiamento e na viabilização econômica de empreendimentos hidrelétricos no Brasil. Seus recursos tornam possíveis – financeira e politicamente – os mais importantes projetos hidrelétricos no País. É por esta razão que, entre os cinco setores que a Plataforma BNDES considera prioritários e emblemáticos de uma ampla reorientação do Banco, está justamente o de geração elétrica de fonte hidráulica.
Continuamos a considerar necessário reorientar todos os critérios gerais de aprovação de novos financiamentos do Banco nesse setor. Por esta razão, apresentaremos ao longo das próximas semanas uma pauta com sugestões de novos critérios de aprovação dos financiamentos para o setor elétrico.
Para a Plataforma BNDES, está claro que o setor elétrico não se sustenta no longo prazo sem sanar passivos ambientais e sociais de antigas obras financiadas pelo BNDES; que não é possível continuar a sustentar um modelo que produz e consome energia com enormes desperdícios; que a produção de energia subsidiada pelo Estado atenda prioritariamente setores da economia que agregam pouco valor aos seus produtos e que sejam eletro-intensivos, exportem a maioria de sua produção e gerem poucos empregos.
Todas essas condições gerais exigem a total reorientação nos critérios que o Banco aplica a projetos que demandam seu apoio. Entretanto, colocamos para o Banco uma questão emergencial.
Nesse momento, o BNDES analisa a estrutura de financiamento de dois grandes projetos hidrelétricos no rio Madeira (RO), que são portadores de uma série de riscos graves, principalmente em função da escala dos recursos demandados – pelo menos de R$ 14 bilhões, sem contar com o sistema de transmissão necessário para transportar os mais de 6,4 mil MW até os grandes centros consumidores.
Alertamos com veemência que o BNDES core o risco de comprometer os recursos que vier a aportar aos projetos no Madeira. Chamamos a atenção para o fato de que frequentemente a história dos maiores projetos de infra-estrutura no Brasil e em outras partes do mundo mostra que os custos superam sempre o orçamento inicial, o que levaria os grupos contemplados com recursos a buscarem ainda mais aportes do Banco. Em geral, projetos com dimensões semelhantes a esses no Madeira, como Itaipu e Tucuruí, custaram entre três e quatro vezes o orçado inicialmente.
São recursos tão vultosos (os maiores empréstimos na história do Banco), que qualquer interrupção e/ou atraso no pagamento do empréstimo afetará a rentabilidade e, mais importante ainda, a própria reputação do BNDES. Ainda que saibamos que tal operação precisa ser segurada antes de receber o apoio do Banco, é necessário levar em conta que, devido à escala econômica das duas usinas, qualquer notícia de incapacidade de pagamento por parte dos financiados atingiria o Banco e mesmo o seu compromisso institucional de financiar o desenvolvimento brasileiro.
Além disso, há indícios de que o os projetos apresentados subestimam os custos e superestimam os retornos, como é de praxe em projetos financiados Jirau e Santo Antônio, através da modalidade project finance.
No caso dos projetos do Madeira, os riscos são tanto maiores quanto o projeto é feito de afogadilho – o que se verifica por parte principalmente do governo federal. Como é possível acreditar na consistência de um projeto cujo desenho básico é alterado no processo de licitação? Em que medida foram examinados os aspectos técnicos (de engenharia civil, mesmo) do projeto vencedor da Jirau? Nada é dito a respeito dos custos ambientais decorrentes do novo desenho.
Em verdade, há muito já é público que os pareceres técnicos do IBAMA sobre os projetos foram desconsiderado pela presidência do órgão no processo de concessão de licenças ambientais o o que abriu caminho para os Ministérios Públicos Federal e Estadual de Rondônia tornarem público seus planos de questionar o início da obra através de Ações Civis Públicas. Eles se baseiam na análise técnica do Ibama que prova claramente a inconsistência e a superficialidade dos estudos, o que sugere a pouca confiabilidade da estimativa de custos dos programas sociais e ambientais envolvidos.
Em se concretizando, tais riscos colocariam o BNDES sob intenso fogo político dos que defendem a privatização dos seus recursos. Esses são os maiores riscos na adesão ao financiamento de Jirau em Santo Antônio.
Também consideramos que projetos dessa envergadura, a serem instalados em regiões como a amazônica (sensível dos pontos de vista ambiental e social, interna e externamente ao Brasil) , precisam levar em conta a experiência internacional de avaliação de grandes projetos que envolvem recursos hídricos.
Nesse sentido, é conveniente recordar as conclusões da Comissão Mundial de Barragens, que no final da década de 1990, inclusive com a participação de cientistas e movimentos sociais brasileiros, foi peremptória: os projetos de grandes barragens, quase sempre, subestimam custos e superestimam retornos.
Aliás, aproveitamos para sugerir aos técnicos do BNDES a leitura atenta ao sumário Executivo do Relatório Final da Comissão (Barragens e Desenvolvimento. Um Novo Modelo para Tomada de Decisões. O Relatório da Comissão Mundial de Barragens. Um Sumário – 16 de novembro de 2000, p. 8, http://www.dams.org). Ele sugere que as grandes barragens construídas para gerar eletricidade tendem a operar num nível próximo, mas ainda aquém das metas estabelecidas. As grandes barragens construídas com finalidades múltiplas também ficaram aquém de suas metas.
Em função da enorme escala do financiamento dessas intervenções no Madeira, há que se observar também o histórico das empresas envolvidas nos financiamentos. Agora mesmo, o governo do Equador questiona fortemente a capacidade técnica das empresas Furnas e Odebrecht (líderes do consórcio para construir Santo Antônio) na construção das usinas Agoyán e San Francisco, no Equador. Aliás, é o caso de perguntar: o BNDES colocou recursos públicos brasileiros nessa operação?
Pleiteamos que Banco se empenhe em se certificar que problemas do tipo não mais se repitam em desembolsos do BNDES – que é co-responsável pelas obras que viabiliza. Essa atitude moderna na governança social e ambiental de corporações financeiras é importante como um todo, porém ainda mais central no que tange ao momento atual, em que se verifica a retomada de ciclos de implantação de grandes projetos na Amazônia.
O processo de viabilização das usinas no Madeira impõe um novo paradigma de licenciamento ambiental e de financiamento para os maiores projetos de infra-estrutura – que logo baterão à porta do BNDES em busca de apoio. Esse paradigma encerra a estratégia do fato consumado, em que riscos de todos os tipos são desconsiderados em função de uma decisão anterior que não possui base legal nem técnica.
Riscos financeiros
Objetivamente, apontamos que:
1. No modelo de project finance, escolhido pelo Banco para viabilizar a obra, a performance do projeto é determinante para sua viabilidade financeira, em detrimento da viabilidade ambiental e social. O foco do projeto é única e exclusivamente o seu retorno financeiro garantido, desconsiderando suas repercussões para o desenvolvimento do país ou região, embora tenha profundos efeitos remodeladores de economia e do território em que se implanta.
Nessa modelagem, há uma enorme incógnita quanto à capacidade de pagamento da sociedade de propósito específico que se constitui para viabilizar o project finance.
O retorno do Banco passa a depender de uma receita que não se sabe ao certe se virá, o que termina por, na prática, blindar o cronograma do empreendimento, que passar a ser central na viabilização das garantias oferecidas. Ou seja, os recebíveis precisam alcançar um patamar previsível para que se obtenha um fluxo de caixa “estável e consistente”.
Assim, mais do que uma espécie de “sócio” majoritário dos projetos, o BNDES voluntariamente está se transformando em refém dessa modelagem de financiamento, cujos riscos têm levado outros agentes financeiros a se desinteressarem por financiar a obra.
Isso é particularmente grave quando se observa que os titulares das concessões venceram as licitações ofertando surpreendentes preços baixos para as tarifas, evidenciando que a rentabilidade do projeto depende da antecipação da entrada em operação das usinas e da colocação de grandes blocos de energia no mercado livre, antes da contratação no mercado regulado.
Assim, a antecipação da operação das usinas se tornou uma perigosa condição e pré-requisito para a definição da tarifa oferecida no mercado regulado. Perigosa, leia-se, para o estrito atendimento a todas as exigências legais que envolvem projetos dessa monta.
Riscos sociais, ambientais e legais
Em articulação com os riscos econômico-financeiros, os projetos no Madeira encerram também outros tipos de risco ligados à lógica da urgência de iniciar a construção das usinas. O Estado brasileiro, principal interessado na conclusão da obra, concede irregularmente, abertamente se compromete com ações irregulares de viabilização da obra, como a recente concessão de licenças de autorização que contrariam pareceres técnicos do Ibama.
Esse empenho destemperado propicia o surgimento de novas Ações Civis Públicas questionando o licenciamento das usinas no Madeira, além das quatro já existentes, o que gera elevados riscos jurídicos para os projetos.
A sanha na concessão de licenças e financiamentos também desconhece os patentes riscos estruturais do projeto. Entre eles estão a sedimentação acelerada quando fechados os reservatórios; as inundações decorrentes do barramento do rio, que também deverão fazer disparar os casos de malária na região; a remobilização do mercúrio acumulado por décadas de garimpo na região; a interrupção do ciclo migratório dos peixes sem que haja sistemas de transposição testados para o bioma amazônico; por fim, mas não menos importante, a bomba demográfica e social a eclodir na região em função da constituição de um pólo de atração migratória em que se transforma Porto Velho, cidade já desaparelhada de equipamentos sociais e urbanos e sem previsão de possuí-los.
Solicitações ao BNDES
Uma vez que esta ação específica sobre os projetos no rio Madeira se enquadra em uma agenda de negociações acerca dos critérios do Banco para o atendimento, vimos por meio desta carta fazer dois tipos de solicitação, em mesmo grau de prioridade:
Quanto aos projetos no Madeira
1. não aprovação do financiamento para as usinas no Rio Madeira, até que sejam sanadas as dúvidas quanto aos riscos que aqui elencamos e que são, quase todos, de conhecimento público;
2.o detalhamento de como o BNDES avalia os riscos supracitados do projeto das usinas no Madeira, se há previsão de medidas para mensurá-los devidamente e a relação de medidas planejadas para minimizá-los;
3. abertura de um canal institucional de diálogo com a população afetada pelos empreendimentos, inclusive com realização de consulta pública na região de implantação das usinas. O objetivo é instruir a análise do projeto pelo Banco. Tal consulta deverá ser detalhada em termo de referência conforme prevê o documento da Plataforma BNDES; e
4. participação do Banco, como ouvinte, para receber denúncias da população atingida, em seminário dos movimentos sociais de Rondônia, a realizar-se em meados de setembro em Porto Velho (RO), conforme relato detalhado que encaminharemos em seguida.
Quanto ao setor elétrico
1. A lista de projetos aprovados e contratados pelo Banco no setor de energia elétrica nos últimos cinco anos;
2. Informações sobre o tratamento dado pelo Banco aos passivos sociais e ambientais gerados por seus financiamentos para hidrelétricas, como por exemplo, Barra Grande, Campos Novos, Cana Brava, Foz do Chapecó, Serra da Mesa e Estreito.
3. iniciar o debate sobre o restabelecimento de perdas (sociais e ambientais) resultantes de cada projeto financiado pelo BNDES, na perspectiva de elaborar, sob controle popular, Planos de Recuperação e Desenvolvimento Econômico e Social das Comunidades Atingidas por Empreendimentos do Setor Elétrico financiados pelo BNDES;
4. levantar as informações sobre a situação social e ambiental dos projetos em andamento que contam com financiamento do BNDES, incluindo as ações do Banco para impedirque se criem novos passivos, inclusive nos projetos em andamento;;
5. elaborar o rol de condicionalidades para financiamentos futuros;
6. elaborar políticas de transparência (disclosure) e de controle social;
7. elaborar políticas e incentivos voltados para a economia de energia (políticas
e projetos de desenvolvimento urbano), para as fontes pouco impactantes de energia (eólica, solar, maremotriz);
8. debater publicamente o papel do Banco na política de incentivos à exportação de eletro-intensivos;
9. elaborar política específica para financiamentos a projetos de infra-estrutura, em especial hidrelétricas, para o bioma;
Sem mais para o momento,
GT Hidrelétricas da Plataforma BNDES: Fórum Popular do Madeira, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira , Movimento de Atingidos por Barragens, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Ibase, Inesc e Ippur
A resposta do Banco a este documento deverá ser dirigida a: João Roberto Lopes Pinto, Coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e representante da Plataforma BNDES. End: Av. Rio Branco, nº 124, 8º andar – Centro – Rio de Janeiro – CEP 20040-916 Telefone: (21) 2178-9424 Email: joao@ibase.br