Projeto de Belo Monte Prevê Reassentamento de 19 Mil Pessoas

Back to Resources
First published on
This resource has been tagged as an In the Media

Usina enfrenta resistência dos índios e pode reduzir muito a vazão do rio em época de seca

O projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, ficou conhecido pelo impasse entre produzir energia em um rio sem barragens e a resistência dos povos indígenas que vivem ali e enxergam o Xingu como sagrado. Esta semana, quando o Ibama tornou públicos o Estudo de Impacto Ambiental e seu relatório, o EIA-Rima, começou a discussão em torno dos efeitos socioambientais do empreendimento que pode resultar na segunda maior hidrelétrica do país, atrás apenas de Itaipu. O choque vai além dos índios: a previsão é que será preciso reassentar mais de 19 mil pessoas e lidar com um braço do rio que corre o risco de ficar com uma vazão baixa demais na época da seca.

O projeto prevê dois reservatórios e a área inundada, segundo o estudo, será de 516 km2. A população diretamente afetada é moradora de palafitas em Altamira, a principal cidade da região com quase 70 mil habitantes. Ali estima-se que 16.420 pessoas serão realocadas e os outros são moradores de áreas rurais. Há três terras indígenas na área de influência direta do empreendimento.

O Xingu é um rio que, normalmente, tem um volume de água bem diferente na época das chuvas e da seca. A construção de uma grande barragem complica a vazão de um trecho de 100 quilômetros do rio, a chamada Volta Grande. De um lado está a terra indígena Paquiçamba, talvez a mais ameaçada pela obra. Na outra margem fica a terra indígena Arara da Volta Grande do Xingu. A vida nas aldeias pode ficar complicada se a água do rio for mais escassa, de pior qualidade e com menos peixes.

“Belo Monte é um projeto de grande envergadura”, reconhece Sebastião Pires, diretor de licenciamento do Ibama. “Prevê uma mobilização grande de pessoas e um impacto sério na fauna e peixes. É um projeto complexo”. 

A hidrelétrica de Belo Monte sempre foi polêmica e o volume dos estudos que o Ibama recebeu esta semana (mais de 300 arquivos correspondentes a 36 volumes) do EIA-Rima elaborado pela empresa Leme, demonstra isso. As três grandes construtoras do país estão empenhadas em tirar a usina do papel – Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez assinaram um convênio de cooperação técnica com Eletrobrás e conduzem os estudos ambientais numa parceria inédita. 

Há um ano, em 20 de maio de 2008, a trajetória turbulenta de Belo Monte ressurgiu na imagem do braço ensanguentado do engenheiro Paulo Fernando Rezende, coordenador dos estudos da usina na Eletrobrás. Ele foi ferido por índios kaiapós em um encontro que aconteceu em Altamira e reuniu indígenas, ribeirinhos e ambientalistas para discutir os projetos do plano energético do governo no rio Xingu. A cena revivia outro episódio histórico envolvendo kaiapós, Belo Monte e José Antonio Muniz Lopes, à época presidente da Eletronorte e hoje presidente da Eletrobrás. Em 1989, a kaiapó Tuíra encostou a lâmina de um facão no rosto de Muniz Lopes. Era uma advertência ao plano do governo de inundar 1,7 milhão de hectares (ou 17 mil km2) com a construção de cinco barragens no Xingu. Em julho de 2008, a resolução nº 6 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) declarou que Belo Monte será a única usina hidrelétrica a ser construída no rio Xingu. Isto deveria acalmar os ânimos dos povos indígenas que vivem no Alto Xingu e veem o projeto com temor.

Os ambientalistas, no entanto, ainda desconfiam disso. “Belo Monte é cara e ineficiente. Os próprios técnicos dizem que ela pode ficar vários meses sem produzir porque a vazão do rio é muito baixa na seca”, diz Glenn Switkes, diretor para a América Latina da ONG International Rivers. A obra estava estimada em R$ 7 bilhões, com capacidade de produção de mais de 11 mil MW, quase o dobro daquela das usinas do Madeira. Mas a ameaça é que com a pouca vazão, a energia assegurada não chegue à metade da potência. Algumas estimativas preveem que, com as linhas de transmissão, o investimento chegue a R$ 30 bilhões.

No momento, o foco é nos impactos socioambientais. Todas as pessoas que vivem até a cota 100 em Altamira, ou seja, a 100 metros acima do nível do mar, serão afetadas e deverão sair de suas casas ou lojas antes do enchimento do reservatório. A maioria vive em palafitas e em áreas que sempre alagam nas cheias do Xingu. “Hoje estas pessoas estão todas vivendo dentro do ginásio da cidade porque o rio sempre enche” diz Valter Cardeal, diretor de engenharia da Eletrobrás. O plano é construir casas de 60 m2 para a população que terá que ser reassentada. 

A obra deve produzir 18 mil empregos diretos. “A migração será intensa, 50 mil pessoas podem chegar a Altamira”, teme Switkes. Na cidade, que fica entre a Transamazônica e o Xingu, não há rede de esgoto, o acesso à água é precário e o lixo coletado é jogado num terreno na rodovia. “Com a usina, os serviços sociais da região vão ficar sobrecarregados e o índice de violência e as condições de saúde poderão piorar”, diz o Rima.

Outro ponto nevrálgico do empreendimento é garantir que os peixes subam o rio. Em versão anterior do projeto pensava-se em construir uma “escada” para os peixes. “Mas existe uma grande discussão no meio científico se ela funciona ou não”, diz Cardeal. A ideia que consta do EIA-Rima é construir um canal longo, que acompanhe o rio, por onde os peixes poderiam nadar. “Peixes são a base da alimentação indígena” lembra Switkes. “O impacto de Belo Monte na vida destes povos é muito forte.”

No trecho de vazão reduzida há outro efeito possível. As populações ribeirinhas vivem do comércio de peixes ornamentais – um deles, conhecido como peixe-zebra, é símbolo da região. Os técnicos da Eletrobrás dizem que vão garantir a vazão normal do Xingu mesmo no braço que tende a ter menos água em função do projeto. Uma segunda casa de forças, com nove turbinas-bulbo, irá manter o que eles chamam de “vazão ecológica” do rio. “Reduzimos a energia assegurada em 7% para podermos melhorar as condições da vazão na Volta Grande”, diz Cardeal. Com esta precaução, a Eletrobrás diz garantir a mesma vazão natural do rio na seca.

Adriano de Queiroz, coordenador-substituto de energia hidrelétrica do Ibama lembra o rito de Belo Monte: o Ibama acaba de fazer a checagem dos documentos e pediu que o Rima tivesse uma linguagem mais acessível, o que foi feito. Agora há um prazo de 45 dias para que a sociedade conheça a obra e seus impactos e peça audiências públicas, que devem ocorrer no meio de julho. Os técnicos da Eletrobrás são mais otimistas e esperam que em 30 de julho a licença-prévia tenha sido concedida.